segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

"Segunda-feira experimental" ou "Retrospectiva musical de 2008, quinta parte"


Comecemos a semana esquentando o cérebro.

Conheci Matmos quando Björk ainda não conhecia Timbaland. A colaboração do duo foi um dos pontos essenciais para fazer de Vespertine o melhor álbum da islandesa, e sua participação na turnê do disco deu um novo brilho às canções mais antigas da cantora - aquele seria um ótimo momento pra ela dar um pulo aqui no Brasil. No mesmo ano da feliz colaboração, o Matmos também se encontrava num dos pontos altos de sua carreira, tendo lançado A Chance to Cut Is a Chance to Cure, um disco construído através de sons gravados durante cirurgias plásticas e manipulados posteriormente, transformando-se em música acessível na sua estréia na Matador Records. Durante toda a sua carreira, a tarefa foi basicamente a mesma: criar um tipo de regra e trabalhar em cima dela, seja gravando e manipulando sons de um rato em uma gaiola, seja criando uma galeria de "heróis" homossexuais, entre eles Ludwig Wittgenstein, Larry Levan, Joe Meek, Patricia Highsmith ou mesmo o Rei Ludwig II da Bavária. A regra criada para Supreme Balloon foi a não-utilização de sons gravados; se é que pode-se chamar isso de regra, já que mesmo no press release eles definem o álbum como "a simples degustação da cozinha sintética tradicional servida numa atmosfera informal". Aqui só foram usados sintetizadores, de todos os tipos e épocas, o que faz o ouvinte lembrar de nomes como Jean-Jacques Perrey e Wendy Carlos. Exciter Lamp and the Variable Band é dedicada a Norman McLaren, artista de animação abstrata, e possui um solo de Coupigny, um sintetizador modular construído na década de sessenta e utilizado por alguns dos grandes nomes da música concreta.



O ano também foi marcado por mudanças sutis no trabalho de Kieran Hebden, que guardou sua sonoridade mais orgânica para a quarta colaboração com o baterista Steve Reid, e, sob o nome Four Tet, lançou um EP mais eletrônico. Em NYC, o produtor e o lendário músico (que já tocou com Fela Kuti e James Brown, entre muitos outros) constroem um retrato musical da "Big Apple", não buscando referências em determinadas cenas ou músicos da cidade, e sim criando uma identidade nova inspirada nos lugares que dão nome às faixas do disco, feitas na base da improvisação e experimentação. Nada mais apropriado para retratar qualquer que fosse a cidade; sendo "a cidade que nunca dorme", além de apropriado é essencial. Em Ringer, Kieran Hebden (agora como Four Tet) chega a flertar com o kraut-rock, mas as batidas 4X4 que ouvimos em praticamente todo o EP (tirando 40 segundos de uma bateria catártica perto do final de Ringer e alguns momentos de percussão aparentemente orgânica de Wing Body Wing - faixa que mais remete ao Four Tet do início da década) passam a sensação de que Hebden talvez surpreenda num futuro próximo.





Provavelmente muitas obras de arte foram inspiradas por sonhos, e em algum momento de 2007, Tom Jenkinson (também conhecido como Squarepusher) teve um sonho no qual presenciava uma banda de rock com um baterista esquimó fazer uma apresentação "diferente", com um rio emergindo no palco e, ao invés de eletrocutar os membros da banda, causando fenômenos que mudavam sua sonoridade. Após acordar e se situar, ele sentiu que deveria compartilhar a experiência e começou a trabalhar no que em breve se tornaria o LP Just a Souvenir. É um disco que tem a sonoridade única do produtor e baixista que já foi comparado a Miles Davis, mesmo que ele tente soar como uma banda de rock quase eletrocutada. Não poderia resultar em algo ruim, e sim em algo muito doente. Confesso acreditar que Delta-V se refere à parte do sonho na qual o baixo mais parece "uma viga de aço tocada por uma motosserra, fechada num armário de mogno".



Sool, álbum mais recente de Ellen Allien, confesso não saber de onde veio. De uma mente fria e atenciosa a detalhes ou de veias pulsantes. Parece haver algo extremamente belo e humano por trás do minimalismo e da sutileza dessa nova realização da "berlinette", que instiga, perturba e encanta quase simultaneamente, mas necessariamente nesta ordem.



Um quê de perturbador também tem Quaristice, apesar disso não ser novidade para o Autechre. Uma das minhas alegrias particulares em 2008, seja ouvindo em salas de espera de consultórios médicos (nada mais apropriado) ou em bem-vindos headphones, perturba por seus 73 minutos divididos em faixas de diferentes durações, diferindo das longas texturas sonoras desenvolvidas por eles em toda a sua obra, criando incoesão e deixando a sensação de incompletude. Certamente não serve como introdução à preciosa obra dos produtores, mas está entre seus melhores.



Este foi o ano em que o dubstep saiu de Londres e ganhou o mundo, e também o ano em que o gênero se desenvolveu através de interações com outros gêneros de música eletrônica. Como é um gênero relativamente novo, inclusive para mim, me reservo o direito de comentar unificadamente sobre dois lançamentos que me marcaram bastante: Diary of an Afro Warrior, do inglês Benga, e Aerial, do holandês 2562. O primeiro era um dos discos mais esperados do ano, e é denso durante todos os seus quase 64 minutos. O segundo nos dá uma idéia do que pode acontecer se o dubstep infectar de vez outras vertentes, tamanho o flerte com o minimal techno.



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